Coisas Tiburcianas

Era como se tudo existisse pela primeira vez,
e naquele dia, minha descoberta era algo
que acostumamos a chamar, apenas, rio.
Diminuta palavra para significar aquela
superfície líquida sobre a qual meninos voavam
furando a ágúa com seus corpos rijos e ensetados.
Como flechas, um a um, eram lançados do nada,
desafiando a natureza do próprio corpo,
desafiando a profundidade e a altura que
aquele lugar não tinha.
Nunca o real havia parecido-me tão fantástico.
E eu precisava exercitar meu pensamento para
que tudo aquilo fosse compreensível, inclusive
as pedras e pequenos vegetais que brotavam na margem.
Da ponte, as pessoas que passavam,
paravam hipnotizadas para olhar.
Curiosas, permitiam-se um suspiro,
um desejo guardado (quase inveja) de não estar ali
misturados àquela paisagem, compartilhando daquela
liberdade diluída em água, areia e sol.
Às vezes, a água trazia folhas,
Às vezes, pequenos gravetos.
Noutros momentos era eu que me deixava
levar naquela correnteza, onde pequenos
redemoinhos formavam um estranho carrossel
composto de folhas, gravetos e eu.
No final da tarde, o sol fazia sua última
intromissão naquele local.
Submerso, abri meus olhos
para saber se era possível uma derradeira lembrança.
Foi quando vi minha mão,
meus cinco dedos e o recorte exato de
cada uma das minhas unhas.
Água e luz faziam delas algo recém descoberto,
uma parte de mim que eu sabia humano,
mas que naquele momento pertencia a outro corpo.
Por alguns segundos, ou talvez menos,
rompi com tudo aquilo
que me fazia homem
e me tornei o fundo de um rio
onde coias novas ficam sepultadas.
Nunca mais fui o mesmo.
Para Sophia de Mello Breyner


PROFUNDEZAS por Fábio Tiburcio.
Hoje ele concorda comigo, português é coisa de se ler.

7 comentários:

Vanessa Gomes disse...

Rio.Palavra simples, pequena, de um lugar de córregos de desejo, aventura,medo,de risco...
Apesar de não dá segurança, base...as crianças furam as água, pulando como super-heróis.
Sem saber no que vai dá, sem se preocupar em se achar...se esquece nos segundos mergulhados, e por segundos, o mundo lá fora cheio de ar fica interessante, mas sem vontade de voltar, só de olhar...
E neste mundo que se está escuro, distorcido, se vê o seu corpo imperfeito, se brinca com isso...
Vontade de tocar, até de rir...e já se tem que voltar para o ar.
No rio...parece-se sempre...parece-se sempre novo, como se tudo pudesse ser criado outra vez, a cada mergulho e respiro...
No rio, um mundo, nunca uma coisa fixa...nunca o mesmo(como nunca é), local da volta da crianças.
Bom retornar. =p
Beijosssss

Alien David Sousa disse...

Uma corrente de prazer este texto. Não levou nada de mim, apenas acrescentou.

Um beijinho linda

Alien David Sousa disse...

Uma corrente de prazer este texto. Não levou nada de mim, apenas acrescentou.

Um beijinho linda

Patrice Barber disse...

é de facto um prazer voltar sempre a este "sitio" em bom português e descobrir que há quem escreva bem, melhor que eu. Espero que tudo corra sobre rodas.. Bj fofo

Iasnara disse...

Um amigo encontrou em Sophia um abrigo que eu achei em Fernando.
Há um tanto dessa gente em nós... não só no sangue, mas na alma também LB. Ai como amo!! Ai pessoas!

Vanessa por muitos segundos felizes, mergulha mais por aqui.

Alien tu és minha maré de lua cheia.

Patrice tinha saudades de nossas incursões marketeiras. Sorte no negócios e no amor. BEIJO!

Alien David Sousa disse...

BEIJÃO :D

Iasnara disse...

Alien;

;)