Chovia fraco às 22h15min do dia 24 de setembro de 1978. Deus devia saber o que colocava no mundo naquele domingo. Após castigar por horas o ventre da minha querida mãe, com todas as complicações, fui arrancada e fiz sangrar litros quem me gerou. Por ironia quase matei quem me fez nascer. Ela mal queria me ver. Tanto que nem leite me quis dar. Eu, no mundo: chorava o tempo todo, o mau humor placentário correria eternamente em minhas veias. Dormia menos do que durmo hoje. Aborrecia mais também - acho. Sempre que me punham em um novo colo, urinava - marcando mais um território - todos já me pertenciam, que coisa, hein! Meu pai voava alto entre asas de toda espécie. Soube de mim, ao quinto dia. Quando me soube menina, já me sabia chamar. Lembrou-se do nome que guardava na carteira de longa data, num papel dobrado desde sua juventude. Em palavra mal escrita de origem incerta, estavam as letras que dariam som a uma personalidade confusa desde a fecundação. Um nome muito grande pra uma pré-matura. Era gente então: vivia e tinha graça. Não posso queixar. Vivia bem. Era bajulada. Cercada de agrados. Não levava tombos. Não pisava o chão. De braços em braços aproveitava a mordomia de primeira filha. Era tão bom aquilo. Parecia que não vivia. Parecia que sonhava. Alias não vivia. Viviam por mim. Tinham meu destino riscado. Protegida de intempéries e tormentas, mas, não da vida. Tiveram-me guardada, por muito tempo, com todas as minhas coisas e pessoas que julgava pertencer-me. Um dia deixaram a porta entre aberta. Eu saí do baú. Vi a imensidão do mundo. Encantei-me, não quis voltar. Puseram-me em gaiola, para não tomar gosto pelo ar, mas saber de sua existência. Debatia contra as grades. Alojaram-me como enfeite, adornando os galhos ia de um a outro. Aprendi a bater as asas. Um pequeno vôo. Saí da sombra frondosa da minha mãe árvore. Apaixonei-me pelo vento. Fui com ele. Senti frio. Sede. Fome. Solidão. Não sabia (queria) voltar. Quis ter por perto o que amava. Mas não tinha força suficiente pra levar todos comigo, nem todas as coisas que me faziam parte. Só tinha forças para me levar. Hoje trago lembranças, quando boas, as más tento deixar num canto ou outro. Meu mundo portátil vai longe e não sabe aonde parar. Sinto-me folha a ser escrita. Sinto-me livre. Às vezes pouca, noutras demais. Aprendendo a ser feliz. Brincando de viver. Sentindo Sempre.

3 comentários:

Alexandre o Grande disse...

Que poema lindo. Só uma pessoa linda consegue escrever assim.
Bjs

Anônimo disse...

Iaiá, se eu peco é na vontade de ter um amor de verdade. Pois é que assim, em ti, eu me atirei e fui te encontrar pra ver que eu me enganei. Depois de ter vivido o óbvio utópico, te beijar e de ter brincado sobre a sinceridade e dizer quase tudo quanto fosse natural. Eu fui praí te ver, te dizer: Deixa ser. Como será quando a gente se encontrar ? No pé, o céu de um parque a nos testemunhar. Deixa ser como será! Eu vou sem me preocupar. E crer pra ver o quanto eu posso adivinhar. De perto eu não quis ver que toda a anunciação era vã. Fui saber tão longe mesmo você viu antes de mim que eu te olhando via uma outra mulher. E agora o que sobrou: Um filme no close pro fim. Num retrato-falado eu fichado exposto em diagnostico. Especialistas analisam e sentenciam: Oh, não! Deixa ser como será. Tudo posto em seu lugar. Então tentar prever serviu pra eu me enganar. Deixa ser. Como será. Eu já posto em meu lugar. Num continente ao revés, em preto e branco, em hotéis. Numa moldura clara e simples sou aquilo que se vê. (musica pra te embalar, essa não tem erro)

Anônimo disse...

feliz-idade.