Antropofagia sempre! O slogan adequado.

Meu maior problema é a falta de memória. Por isso sempre recorro ao que já foi feito. Às vezes me sinto completamente incapaz de criar algo novo. Simplesmente por nada perceber dentro da cabeça. Talvez pelo inconsciente desejo de esquecer apenas o desnecessário, acabo ignorando todo o resto. Daí minha recorrência freqüente ao Ctrl C, Ctrl V. Maldito thc que me deu muita alegria e em troca sacrificou minhas sinapses.
.
Baseada nessas relações tridimensionais, onde um dá pra outro que come alguém que dá pra outro, procurei um psicólogo. Buscava de fato entender a humanidade, seus contrastes e posições. E descobrir, principalmente, minhas nuances e formas. Sabia que era aí que o desajuste habitava. . Ouvir um especialista era necessário, mas recordar que seu discurso técnico-científico é comumente publicado em texto vulgar, na forma de horóscopo nos jornalecos da vida, é jocoso. De qualquer forma eu precisava de alguém que assinasse meu atestado de insanidade e desequilíbrio. E que levasse meu problema a sério.
. - Vamos fazer um pequeno teste - disse em meio ao nosso papo. - Nas imagens: maçã, banana, laranja e sol. Qual delas não se encaixa no contexto? A princípio fiquei ofendida, ele de certo pensa que sou uma retardada. Mas “tamo aqui, né?”. Já paguei a porra da consulta e matei as primeiras aulas de hoje. “Tá dentro, deixa”. Coloquei o Tico pra brincar com a laranja e a maçã olhando pra o sol e joguei a banana na mão do Teco - meus neurônios primogênitos e heróis da resistência, que rapidamente descobriram a solução e sopraram suas respostas. Como todo bom libriano, ascendente em gêmeos, me pus a filtrar e transmitir minha dúbia opinião. – Analisando num contexto morfológico obviamente a banana não tem formato esférico. Se pensar no sentido fisiológico o sol não se encaixa como fruta. Mas teríamos outras saídas, apenas o sol é do gênero masculino. A maçã é vermelha ou pode ser verde, enquanto os demais são predominantemente amarelos ao que se sabe... Em análise a minha resposta, veio a confirmação muito original, de que tenho a mente bilateral. Por enquanto nada novo. Mas ouvi atentamente. Afinal duas, seriam melhor vistas do que as sete que achava ter. Pediu para que relatasse meus problemas desde a infância e que enfatizasse o que mais me doía agora. Não lembrava de nada relevante e nem lembro o que contei pra ele. Queria mesmo era falar do que me fez procurá-lo.
.
Uma insegurança tipicamente feminina: a traição. Fui obrigada a narrar todos os capítulos, voltar várias vezes ao episódio final e inclusive decidir forçadamente uma (única) opinião que sintetizasse a história. Vi-me diante de outra forma geométrica, muito popular por sinal: Iolanda que ama José que ama Catarina que ama... Até pensei em um triângulo, embora estivesse mais para uma reta sem fim. Trocando em miúdos, a única cena que eu imaginava e que poderia resumir o ocorrido: Ele me usava para ter suas ereções e esperar por a ela de pau duro. Que por sua vez já vinha molhada das outras relações que também mantinha. Isso era insalubre de repetir, mas merecia, eu merecia internalizar. Reclamei da minha dor. Aquele sentimento tempestuoso da mentira que me perturbava. Sentia-me virtualmente mal amada, usada, traída – mesmo sendo a minha segunda relação, não me sentia traindo no mundo real (graças a deus ele vai bem obrigada, nem precisamos falar dele, não quero criar fantasmas com o pobre rapaz que nem gosta de computadores). Estou demais desapontada. O fato do webchifre é insuportável. Uma traição virtual é péssimo. Personagens perdem completamente a fala. Desligam seus MSN, bloqueiam perfis, abandonam comunidades, excluem seus blogs, orkutuicídam-se, enfim morrem para esse lado da vida. É possível nunca mais se avistar aquele nick com o mesmo dono. E o pior é que nem existe um obituário para consolar os viúvos... (vou pensar nessa prestação de serviços). Sinto-me muito traída, abandonada mesmo. Praticamente inconsolável.
. Sem evitar um sorriso irônico, veio-me com outra resposta mirabolante. Frisou que tenho um apego infantil originário das vezes em que chorava no berço e a minha mãe estava no tanque lavando roupas e por isso não ouvia. Chorava até cair no sono e ela chegava e me via tranqüila dormindo, então voltava a sair para cuidar dos seus outros afazeres domésticos e me deixava só, que de novo acordava chorando baixinho, sentido dores, por estar naquela posição incômoda de dormir de barriga pra cima e de ver no teto todos aqueles bichinhos cor-de-rosa, horríveis e risonhos, velando meu sono.
.
Afirmou que tenho dificuldades para aceitar a rejeição. – Grande novidade. Descobri tal fato mudaria de imediato minha visão do mundo? Será? Fui obrigada a rir. – É, eu preciso de um tratamento urgente, se esse for meu problema, Doutor. Já sofro dele há 27 anos. Ele queria me indicar uns calmantes. Sorri de novo e disse que se fosse pra me drogar nem precisaria dele. Então sugestionou que dividisse minhas angústias com alguém. Incorporando novos hábitos. Para os meus acessos depressivos me recomendou que lesse mais. E preferencialmente escrevesse sobre minhas angústias e necessidades. Criasse um diário talvez, entrasse na onda de ter um web blog. Liberasse na escrita meus fantasmas infantis e as neuroses contemporâneas. Isso me ajudaria profissionalmente também.
. - Hahhahah! Já tenho Doutor! Talvez o blog tenha sido o pivô do meu tormento. Na realidade ele me mostrou um mundo divertido, mas, também nefasto. Mergulhar nas intimidades de uns e se revelar a outros. - Por hábito recente, publico quase diariamente - quando meu tempo escasso permite, alguma passagem do dia. Sou sincera ao passo de literalmente transcrever o que me angustia. Certamente nossa consulta merecerá uma página. - Muito bom. O que traz seu blog? - Gosto de tratar sobre as injustiças sociais, fato que me cega de ódio cotidianamente, me remete a desejo de revoluções. Abordo também a prestidigitação dos poderes religiosos, com todo respeito a quem precise dessas muletas. Mas nunca consegui nada rezando ou que precisasse pagar alguma promessa depois – entendo que minha revolta contra o divino, não parte dele, mas das obras em foram construídas em seu nome. E tenho raiva de muitos fiéis depositários bancarem até hoje essas empresas. Não sou crítica de cinema, mas é bom indicar o que me agradou, não que necessariamente isso venha a ocorrer com quem lê o post. Adoro levar música às páginas, acho fundamental à vida, mesmo grande maioria julgando arte duvidosa. - Gosto de ler os outros blogs também. É a mídia mais honesta e descontraída que existe hoje. Os temas são variados, alguns me atraem mais pelas fotografias, sempre apreciei imagens. Até poderia fazer como fazem muito dos que aprecio visitar. Usar o blog para publicar meus pensamentos e fantasias sexuais. Acho que teria mais visitas e fieis visitantes, mas não seria meu feitio publicar tais coisas. Sexo pra mim é algo puramente fisiológico. Não é algo me atormenta. Se estou com sede procuro um copo e bebo. Não preciso usar figurinhas, objetos inanimados, depender de tarados virtuais, nem fazer exposição narcisista dos meus dotes. Realmente não tenho esse perfil. Mas não digo que nunca o farei. Até me surpreende o fato de estar envolvida em uma trama assim.
. - São 20:30h. E nosso tempo acabou, precisamos de mais consultas, minha secretária vai ligar pra você agendando novo horário. Mas fique tranqüila. Seu problema será simples de resolver, vamos achar uma solução. - Obrigada, Doutor! Foi de grande valia. Após nosso papo, relembrei o que dizem meus amigos, isso é falta de pica, “troca de namorado”. Outras dizem que é falta de dinheiro, “muda de emprego”. Há até quem diga que é falta de entorpecentes - será que são de fato meus amigos?
. Dizer que saí mais confusa do que entrei é pouco. Talvez o faça estudar meu caso. Em vez de vir com as repostas prontas. De qualquer forma quando chegar em casa vou procurar o vinil do Raul, ele sim me entende, sabe bem que “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante” e consegue ver nitidamente que “louco é quem me diz, e não é feliz”. Posso também ouvir mais João Gilberto e confirmar que “triste é viver na solidão”, e aceitar que por isso procuro companhia. Confirmar com o Baleiro Zeca que “pra elevar minhas idéias não preciso de incenso, eu existo porque penso, tenso por isso insisto... e que são muitos os meus pecados”. Ter ainda, algum respeito pelo nosso ministro da cultura e eternizar de uma vez por todas que “o melhor lugar do mundo é aqui e agora”. . Cada um faz da vida o que tem direito e acha que é certo. Levando consigo o karma que merece. Ainda aprendo a usar metáforas. Um dia descubro como será contar minhas desventuras e aventuras na terceira pessoa.

Um comentário:

Alien David Sousa disse...

Os terrestres conseguem ser muito estúpidos - espero que o teu doutor não leia o teu blog -, são estúpidos porque são. Ponto. O gajo que te traiu era estúpido. Ponto. O teu Doutor é estúpido e esperto, quanto mais baralhada andares mais dinheirinho ele recebe. Ponto.

" - Obrigada, Doutor! Foi de grande valia. "

E tu, desculpa, mas não estavas bem quando prenunciaste aquelas palavras.

Quanto ao teres problema com a rejeição. Não temos todos?? lol
Fica bem e coloca um ponto final nesse problema.