Um Tango

“O Tango é a dança da carne, do desejo, dos corpos entrelaçados. É um diálogo novo, a sedução feita movimento, o ir e vir, encontro de dois mundos. É um baile exibicionista, esteticamente belo, e ronda sem temores o universo do lúdico. O casal roça seus sapatos entre sensuais carícias enquanto o atônito espectador ocasional, eterno voyeur, se fascina e deslumbra com o ardor do tácito romance entre os dançarinos...”
Ao enlaçar sua parceira na pista de dança, não é a alegria que o move, nem a ele, nem a ela. Os passos felinos e o apuro duvidoso do par anunciam aos presentes um acontecimento quase que metafísico: dançarão um tango! O dançarino por vezes nem tira o chapéu que lhe vai inclinado na cabeça. Um lenço qualquer lhe envolve o pescoço. Ela, com os cabelos presos, rodopia numa saia justíssima, onde abre-se uma generosa fenda. Ele, em trajes de rufião, aparenta protegê-la quando de fato a explora. A bailarina não lhe fica atrás. Simula entregar-se por amor e não por medo. O ritmo sincopado e malevolente que escutam ao fundo é de um “bandoléon”soluçante, de um violino e de um piano. Executam então os dois o mais lascivo dos balés que se conhece. Embora também pareça uma sublimação, uma busca desesperada pelo verdadeiro amor. Nauseados pelo sexo mercenário, descarado que os cerca, homem e mulher encenam, ainda que com arabescos eróticos, o que lhes ocorre ser, na sua imaginação de desesperados, uma autentica e pura paixão. Daí aquela seriedade ensimesmada dos bailarinos. Se a melodia é chorosa, as letras, antigamente cantadas no latim dos marginais portenhos - são heterogêneas e devastadoras. É a lírica de vidas destroçadas por traições e falsidades, por desilusões e crimes. Mulheres pérfidas e amigos tramposos são o sal da dramaturgia tanguista: - "Mi china fue malvada, mi amigo era un sotreta". É a estética de um mundo canalha e ressentido. E não é para menos. Filho da taverna da periferia de Buenos Aires, o tango nasceu em meio a duelos de garrucha e de punhais, travados nas sombras malditas do subúrbio, que lhe salpicaram pólvora e sangue que teve como escola as então perigosas barrancas do Rio da Prata com seu intenso tráfico de carnes.

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