HEMOGRAFILIA

Escrever faz a gente perder sangue,
diminui e torna precária a respiração,
cansa o menor de todos os gestos.
A velocidade das coisas também se reduz,
e um relâmpago cortando o céu se congela
em demorada trinca de clarão e eletricidade.
Uma espécie de dreno suga o excesso,
escoando o líquido quente, venoso e denso.
Coagula fora de mim tudo aquilo que não sou.
Quando o meu pai queria dar vazão à água
da chuva acumulada na várzea, dizia que
precisava com urgência “esgotar os fundos”.
Com o canto da lâmina da enxada, ele
sulcava violentamente a terra encharcada,
formando um caudaloso rio e seus afluentes.
Dias depois o rio secava, exibindo aquele
seu diminuto filete de terra seca e arenosa.
Escrever é um pouco esse correr de enxada,
essa transposição silenciosa de matérias.
É também um aberto profundo,
Uma estiagem intensa e súbita,
o que deixa a gente seco e arenoso.
Sofro de hemografilia.

do meu ex, atual e sempre Fábio Isaac.

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