Existencialismo indeciso

As ondas depressivas em minha vida, que tanto temo, também retornam com certa regularidade. Não me recordo de datas ou de números, pois nunca obedeci a um diário cronológico. Não sei, nem quero saber se o número 23 ou o 27, ou qualquer outro que seja, tenha algo a ver com isso. Só sei que de tempos em tempos, sem motivo plausível, a minha alma é tomada pela depressão. Então aparece uma sombra sobre o mundo como a sombra de uma nuvem. A alegria soa falsa e a música insípida. A tristeza domina e morrer é melhor que viver. De vez em quando, de repente, essa melancolia me domina. Não sei em que intervalos, mas lentamente, cobre meu céu de nuvens. Principia com uma intranqüilidade interior antecipada por pressentimentos, medos e provavelmente pesadelos. As pessoas, casas, cores, os tons de que sempre gosto tornam-se duvidosos, parecendo falsos. A música me causa cefaléias, cartas, todas me parecem desgostosas, como se viessem cheias de subentendidos. Nessas horas ser obrigado a conversar com alguém torna-se um suplício e inevitavelmente leva a mal-entendidos. Por causa dessas horas é que não se possui armas de fogo, mas são nessas que mais se sente a falta de uma. Contra tudo sentimos raiva, sofrimento e queixa. Contra o tempo, contra Deus, contra o papel do livro que lemos, contra o tecido da roupa que vestimos. Mas, todo esse ódio, essa impaciência, essa raiva e essa acusação não se dirigem às coisas, são um reflexo de mim mesmo. Sou eu que mereço o ódio, sou eu que trago discórdia e feiúra ao mundo.
Céu Incoberto - Hermann Hesse em Caminhada

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